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A PINTURA EM PÂNICO (2014)

 

Artigo publicado na revista Graciliano, n. 21 (jan 2014)

 

• Jorge de Lima

• Arte moderna brasileira

• Surrealismo

• Fotografia e literatura

• Fotomontagem

• Colagem

 

 

 

A PINTURA EM PÂNICO

 

 

Em prosa e poesia, a grande obra artística de Jorge de Lima é sem dúvida literária. Mas sua personalidade reconhecidamente inquieta e sua pesquisa de linguagens acabaram rendendo-lhe experiências poéticas com outras linguagens e meios, incluindo a pintura, a escultura e a fotomontagem.

 

Jorge de Lima começa a se interessar pela prática da colagem (ou montagem) de recortes de revistas e livros no início dos anos 1930, quando toma conhecimento do trabalho surrealista de Marx Ernst através do livro La Fémme 100 Tétes, que recebeu de presente de Murilo Mendes. Max Ernst produziu três obras do gênero: La femme 100 têtes (1928), Rêve d’une petite fille qui voulut entrer au Carmel (1930) e Une semaine de bonté ou les sept éléments capitaux (1934). Na Europa, desde o início do século XX, o experimentalismo com os recursos fotográficos e outros subprodutos da reprodução mecânica proporcionou muitas das experiências estéticas exploradas pelos futuristas, dadaístas, construtivistas e surrealistas. Nesse contexto, a fotografia desempenhava um papel crucial na prática dos artistas modernos que questionavam e subvertiam os paradigmas das artes tradicionais. Mais do que uma simples técnica de construção de imagem, a fotocolagem, ou fotomontagem, se apresentava como bandeira-manifesto dos movimentos da antiarte. Mais do que o criador de algo inteiramente novo, o artista inserido na vida moderna é o “transformador” que trabalha com o reaproveitamento e a ressignificação dos elementos da cultura visual massificada em que já se vê inserido. Antes de procurar achar uma mensagem nas fotomontagens, é preciso entendê-las como expressão de uma nova forma de percepção, fragmentada, dinâmica e, às vezes, caótica, de uma sociedade esfacelada pelas guerras.

 

No Brasil, ao contrário, em função de certas discrepâncias características do nosso desenvolvimento cultural, a fotografia esteve praticamente ausente do movimento que começou com a Semana de 22. Nos discursos e manifestos da época, a fotografia é citada como referência daquilo que se queria combater: a imitação mecânica e figurativa do realismo acadêmico. Paralelamente, nos círculos mais fechados dos adeptos da prática da “fotografia artística”, as sociedades fotográficas e os fotoclubes, imperava o estilo pictorialista que, alheio às inovações modernas que começavam a pipocar na Europa e nos Estados Unidos, ainda buscava elevar-se no ranking das belas-artes através da imitação dos efeitos plásticos da gravura e dos temas e gêneros clássicos da arte tradicional.

 

Diferindo de todas essas experiências que lhe foram contemporâneas, A Pintura em Pânico apresenta-se como uma obra sui-generis – único exemplar de uma estética fotográfica moderna no contexto da arte brasileira antes da Segunda Guerra Mundial. Qualquer outra experiência semelhante ocorreu posteriormente – como os trabalhos de Athos Bulcão, José Oiticica Filho e Geraldo de Barros, por exemplo.

 

Ao longo dos anos 1930-1940, Jorge de Lima produziu ao longo das muitas noites insones as imagens dessa obra que veio a ser a primeira do gênero realizada no Brasil. A Pintura em Pânico foi impressa na Tipografia Luso-Brasileira em 1943 e reúne 41 fotomontagens acompanhadas de legendas. Estas, longe de terem uma função descritiva ou explicativa, são mais um elemento da charada apresentada pela imagem. O conjunto das imagens e textos configura um conjunto complexo, um mosaico de referências fragmentadas e contraditórias, cujo objetivo – declarado pelo artista numa entrevista a Amadeu Amaral Jr., na Revista O Cruzeiro de 09/07/1938 – era “provocar uma sensação poética” (grifo meu.) Em comum com Ernst, Jorge de Lima explorou o estilo de composição que buscava simular um espaço mais unitário e verossímil para construir imagens de pura fantasia, com forte apelo simbólico e tendências místicas. Diferentemente da trilogia de Ernst, no entanto, A Pintura em Pânico não chega a desenvolver uma narrativa, mas utiliza as legendas para formar conjuntos independentes de imagens e palavras.

 

A Pintura em Pânico teve uma única edição de época, com tiragem de 250 exemplares, sendo cada exemplar cuidadosamente numerado e assinado pelo autor. Pouquíssimos sobreviveram, tendo-se tornado uma obra raríssima, nunca reeditada. Com a exposição e o catálogo A Pintura em Pânico – fotomontagens de Jorge de Lima, ambos organizados por mim em 2010 – com patrocínio da Caixa Cultural do Rio de Janeiro –, tive intenção de preencher uma lacuna até então existente na história da arte brasileira, divulgando e reivindicando o devido reconhecimento para esta obra pioneira do poeta de todas as linguagens que foi Jorge de Lima (www.apinturaempanico.com).

 

 

 

 

 

 

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