21 FOTOFESTIVAL (2003)
Capa do catálogo do 21º Fotofestival. Castello di Montecchio Emilia, Itália, 2003.
Vila Velha. Fotografia integrante do catálogo.
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Se o objeto da pesquisa fotográfica de Simone Rodrigues é um parque natural que teve a sua singular morfologia modelada pela milenar erosão dos agentes naturais, o seu objetivo principal não é tanto o de dar-nos uma descrição turística e nem mesmo analisá-lo com o olho rigoroso do geógrafo ou do geólogo, mas de tentar uma leitura interiorizada da realidade.
Em primeiro lugar, a técnica em preto e branco por ela escolhida, que, diferentemente da colorida, é hoje considerada como sendo mais indicada ao subjetivismo e à interpretação emotiva do que à descrição documentária ou à narrativa da realidade.
A confirmação desta escolha está também no uso da escritura fotográfica que privilegia as tomadas em contraluz com decisivos contrastes, cortes diretos que extrapolam particularidades evocativas de formas anatômicas e iluminações rasantes. Particular importância, enfim, assume o ritmo gerado pela seqüência de imagens com o alternar-se de detalhes em primeiro plano e de planos gerais, cada qual escolhido e unido para guiar a leitura do observador e impedir-lhe uma excessiva liberdade de interpretação. Melhor, para torná-lo diretamente partícipe do conjunto de sensações e de sugestões que o aspecto natural dos lugares suscitou na autora.
Não se pode negar, apesar disso, que, contrastando esta hipótese interpretativa, intervêm os títulos altamente descritivos escolhidos para as imagens, mais adequados a um trabalho fotográfico de documentação naturalística do que a uma série de imagens com sentido simbólico.
Porém, é propriamente sobre este tênue limite entre palavra e imagem, entre sentido e visão fisiológica, que trabalha Simone Rodrigues par transmitir não tanto as impressões visuais quanto as emoções interiores.
Poderia-se afirmar que a sua leitura da paisagem é guiada pelo mesmo mecanismo de associação de idéias magistralmente adotado por Proust no seu “Em Busca do Tempo Perdido”, pois, cada signo natural remete a outro signo, não apenas nas passagens das visões gerais às particulares, mas, sobretudo, pelo sábio desfrute da relação interno/externo, que as características geológicas dos lugares consentem. Fotografar um particular através da janela oferecida por uma fenda na rocha, não lhe permite somente obter um enquadramento sugestivo, mas utilizar a relação luz/escuridão, traduzindo-a, no plano formal, pela dramaticidade branco/negro e, no plano emotivo, pela passagem do escuro do inconsciente à luz da consciência.
A exploração do Parque de Vila Velha como uma viagem à procura da própria identidade, quase o penetrar num sonho proporcional ao de “Alice no País das Maravilhas”, onde, na tentativa de orientar-se num mundo advertido com surreal, a autora se encontra continuamente no limiar da realidade (a paisagem fotografada) e da surrealidade (a paisagem transformada pela utilização do filme infravermelho, pela presença dos reflexos solares na objetiva, pela misteriosa aparição de um pássaro e de uma personagem feminina). A perda da própria identidade e o seu reencontro numa dimensão diferente conduz, enfim, ao auto-retrato como sombra projetada sobre a rocha.
A linha fotográfica seguida por Simone Rodrigues se revela através destas quatro fotografias e a realidade natural dentro da qual ela conduziu a sua busca mostra-se somente como o instrumento utilizado para liberar a própria sensibilidade.
Massimo Mussini