A DANÇA (2010)
Curadoria e apresentação.
Exposição A dança, realizada no Espaço Imaginário
(Rio de Janeiro, 2010).
Artista: Maria Navarro.
• Maria Navarro
• Curadoria
• Dança
• Longa exposição
• Fotografia futurista
A DANÇA
"O real é a contínua mudança da forma:
a forma é apenas um instantâneo da duração."
Henri Bergson
É noite: as luzes da cidade acendem-se ao fundo, ao longe. Um corpo feminino se move no espaço, tendo nas mãos uma fonte de luz ígnea (ora chama, ora faísca), que desenha formas inusitadas no espaço-tempo. Outras vezes, é um véu que ela manipula, encenando gestos solenes, de reverência, evocando o espírito de um rito sagrado, talvez uma homenagem, em que essa figura feminina já se insinua como sacerdotisa, intérprete, mediadora entre dois mundos: as duas dimensões antagônicas e complementares desse universo feito de luz e sombra, fogo e escuridão, instante e suspensão do tempo, memória fixada e duração, ação e transformação. Seus gestos são largos e expansivos, numa encenação solitária que contracena apenas com os pontos esparsos de luz no espaço profundo da noite que se sabe urbana, mas que se sonha em algum outro lugar.
Corpo, luz e movimento são os três elementos essenciais deste ensaio, em que a artista Maria Navarro encena uma celebração que se aproxima da fábula (a fada e sua varinha de condão?), muito embora não nos seja revelado exatamente o que é que se celebra: a criação da luz? A conquista do fogo? O próprio ser feminino? Percebemos antes o clima afetivo, a atmosfera emocional, que flui prenhe de leveza e mistério. Quando o ponto de luz desenha uma linha é porque o corpo já começou a se desmanchar na correnteza do gesto e a matéria se fez etérea na busca do que, na falta de melhor conceito, costumamos chamar de alma.
Menos por intenções preconcebidas e mais por afinidade intuitiva, “ A Dança” evoca as pesquisas visuais futuristas que os irmãos Bragaglia chamavam de “fotodinâmica” e que buscavam captar a “natureza transcendente do movimento”. Mas Maria Navarro vai mais além de uma pesquisa fotográfica em torno das possibilidades de representação da quarta dimensão do espaço, que no início do século XX se apresentava como uma verdadeira revolução, simultaneamente nos domínios das artes visuais e das teorias da Física. Num aventurar-se mais simbólico e subjetivo, suas figuras diáfanas nos apresentam um espetáculo solo que evoca as antigas danças circulares sagradas, as cerimônias rituais, os mitos (como não lembrar de Prometeu, que rouba o fogo dos deuses para o entregar aos homens?) e as utopias de que nos mostramos tão carentes no século XXI. Sua sacerdotisa vela e revela os ciclos do semear e colher a luz que é sinônimo de vida e consciência. Na transmutação das formas de aspecto fantasmagórico, sugere um rito de união que anseia por acontecer no interior do seu próprio ser.