UM DIA PARA REFLETIR (2002)
Artigo publicado na revista Photos & Imagens, n. 27
(ago 2002)
• Dia da fotografia
• 19 de agosto
• Cultura visual
• Visão e cegueira
UM DIA PARA REFLETIR
Como acontece em toda data de aniversário, o dia 19 de agosto nos convida a festejar e a refletir a respeito dos rumos da nossa arte/ofício. Vale a pena dar uma parada em meio à rotina atribulada para recordar como foi que chegamos até aqui. O que quer dizer “ser fotógrafo” nos dias de hoje? Afinal, estamos comemorando 163 anos de história e a lembrança do passado pode ajudar a dar sentido à nossa experiência presente.
Quem não sentiu o mais puro encantamento ao ver, pela primeira vez, uma imagem se formando na bacia do revelador? Nunca deveríamos perder de vista o sentimento deste momento de iniciação. Deve ter sido semelhante à emoção vivida pelos fotógrafos pioneiros. No século XIX, parecia mágica poder captar a luz das coisas. No retrato posado, a expressão sem tradução, o brilho no olhar da criança que hoje já é um adulto e se vê, retendo nas mãos o tempo suspenso na superfície do papel. A paisagem de um lugar distante, onde talvez nunca iremos, mas onde o olhar chegou. Era uma proeza da tecnologia, uma conquista da ciência aliada à arte. Mais que isso, era a realização de um sonho antigo da humanidade, que começou nas paredes das cavernas pré-históricas, passou pelas câmaras escuras dos pintores renascentistas e chegou à fórmula dos materiais fotossensíveis.
Quem não se recorda da felicidade que sentiu quando, dando vazão à sua criatividade, conseguiu um resultado que tocou a alma de quem o viu? Pode soar piegas, mas é redentor conhecer a própria capacidade de produzir beleza e recriar sentidos. Essa fonte de inspiração é inesgotável e renova-se continuamente, na sucessão das gerações que se expressam, não importando a forma nem o estilo. Subjetivos ou engajados, como todo artista, ansiamos por mostrar o que temos dentro. E não me digam que nunca tiveram essa intenção. Pelo menos em origem, toda imagem é poética, e poesia é criação. Quando fotografamos, reconstruímos as conexões que sustentam a vida. Nossa visão de mundo é nossa marca registrada, mas ela só se realiza plenamente quando um outro a contempla e compreende.
Sabemos que somos produtores de imagens vivendo numa cultura visualmente saturada. É natural que, às vezes, fiquemos confusos. Andamos “cegos de tanto ver”. Solidarizemo-nos, então. Para manter a saúde do nosso olhar, é fundamental que estejamos atentos, mentalmente abertos. Somos todos elos na corrente dessa história que, como o tempo, não pára. Foi-se a inocência dos primeiros anos. Foi-se o mito do fotógrafo-herói. Mas a impressão do que foi deu forma à nossa existência. Que possamos manter a sensibilidade e a lucidez para conferir mais sentido ao exercício diário da profissão. Estamos entregues à nossa criatividade, ao desafio de dar forma nova aos sonhos mais antigos.